plural

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Paulo Antônio Lauda

  • A terceira margem da rua
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

    style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

    Flanar pelas oito quadras da Avenida Rio Branco, entre os extremos da Praça Saldanha Marinho e da antiga Estação Férrea, propicia um certo deslocamento, uma leve sensação de ruptura com a ordem previsível que impera no miolo comercial de Santa Maria. Embora suscetível aos mesmos problemas urbanos que constrangem uma rua central, a velha Rio Branco, do comércio miúdo, sobrados baldios, modestas casas de tolerância, bares e hotéis, estampa um cartão postal de realismo encantado, um tanto nostálgico e coloquial.

    A avenida passou por um processo de "revitalização" - as aspas lembram que o termo é contestável, visto que a região nunca deixou de estar animada por aqueles que nela vivem e trabalham, mas, mesmo com a implementação das reformas e a restauração discutível de seus canteiros, com a remoção de árvores e camelôs e com o estabelecimento de um ou outro empreendimento mais moderno ao longo de sua extensão, a Rio Branco permanece como uma testemunha insistente de um tempo em que a estética de shopping ainda não havia devorado a fisionomia histórica da cidade.

    O escritor uruguaio Juan Carlos Onetti, cuja influência para a literatura latino-americana é manifestamente assumida por seus melhores representantes, inventou uma cidade imaginária com esse mesmo nome de Santa Maria. Com o olhar um tanto sugestionado pelas páginas que me levaram a percorrer essa outra Santa Maria, penso sempre que é ali, ao longo das poucas quadras que acolhem trabalhadores apressados, garçonetes morosas, messalinas cansadas e motoboys sonâmbulos, que as duas cidades, a da Boca do Monte e a de Onetti, cruzam-se e confundem quem as lê, estabelecendo uma terceira margem da rua. 

    A Rio Branco da grande obra em ruínas, das igrejas, do hotel abandonado, das casas de cachorro improvisadas na calçada, da fumaça dos churrasquinhos, das lojas de importados precários, dos sobrados em art déco e do edifício Mauá, um monumento que emana o modernismo de Copacabana nos anos 50, é ainda mais romântica - mesmo que àspera - por resistir à frigidez da especulação imobiliária; ainda mais intensa, porque em suas calçadas, bancos e sacadas há um coração pleno de folclore e prosa mundana a pulsar; e, licença dada às intuições do povo, ainda mais misteriosa, porque em noites de vento norte o apito do trem geme sobre ela como um fantasma metálico.

    Claro, logo ali despontam os sinais de que a atualidade do progresso exige sacrifícios, implacável, ávida por eclipsar o que resta de história com sua gama de imagens piscantes e portarias assépticas. Mas ainda é uma avenida dona de si, com seus humores, ora sombrios, ora solares, que encarna e dá significado às nossas mitologias urbanas.

    Não admira que a Rio Branco inspire afetos, medos, distração, embriaguez. É que as ruas que preservam o relevo do passado são como teatros ao ar livre, eletrizados pelo jogo circular de saltar do ônibus, sorver o café, cumprir a labuta, pedir uma saideira, depois dormir para acordar no mesmo sonho. Uma rua assim carrega ecos; seus cenários, aparentemente imóveis, transportam histórias da vida breve.

    Vista de passagem, a Rio Branco começa aqui, desce até ali, pronto; acabou-se. Mas se a lemos com vadio interesse, é um livro que não para de nos impressionar. 

    Texto originalmente publicado em 14/12/2020

    102 anos de Darcy Paiva Ethur
    Paulo Antônio Lauda
    Cirurgião-dentista e 
    ex-professor da UFSM

    style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">O Bairro Itararé está em festa. Seu membro mais experiente completou, no dia 4 de julho passado, 102 anos de idade. "Seu Darcy", como é chamado por todos, filho de ferroviários por parte de pai e de mãe, nasceu em Santa Maria em 1919. Estudou na Escola de Artes e Ofício da Viação Férrea, depois no Gimnásio Santa Maria. Entrou para Brigada Militar em 1940. Formado em Educação Física, competiu em provas de atletismo e hipismo. 

    Como comandante da Brigada, viveu algumas dificuldades financeiras na corporação. Por este motivo, foi necessária sua ação no auxílio de muitos praças e soldados da época na sua subsistência básica. Era, carinhosamente, chamado de "Pai dos soldados". Nosso aniversariante casou-se com a senhora Olide Missaglia Ethur em 1945, e tiveram um filho, Dr. Sidney Missaglia Ethur, que se formou médico (UFSM) e, após, especializou-se em anestesiologia. Sua nora Lenice Abella Ethur, deu à luz a dois netos, Priscila e Éderson. 

    Nas lidas políticas e também por serem vizinhos, tornou-se grande amigo do Dr. Paulo Devanier Lauda, meu tio, que foi eleito prefeito de Santa Maria em 1963 pelo PTB e, posteriormente, cassado pelo regime militar de 1964. Eu também tive o privilégio de me tornar vizinho do seu Darcy no Bairro Itararé em 1990, e ainda o tenho ao meu lado. 

    Homem de muitas histórias, sempre muito bem detalhadas quando as contava, sempre foi um amante da vida. Em 1968, durante o regime militar, houve um pleito onde os candidatos a prefeito podiam concorrer com sub-legendas (três por partido). Assim, cada candidato fazia sua campanha e, no final do pleito, havia a soma dos votos das sublegendas. O mais votado das três sub-legendas somava aos dos outros dois. Dessa forma, o ex-prefeito Dr. Luiz Alves Rolim Sobrinho, o mais votado do MDB, somou seus votos a sublegendas do senhor Floriano Rocha e do senhor Darcy Paiva Ethur (MDB3), sagrando-se vencedor, e assim tornando-o prefeito de Santa Maria. 

    Naquela época só haviam dois partidos. A Arena e o MDB. Assim, em pleno regime militar, Santa Maria teve um prefeito da oposição. A Aliança Renovadora Nacional (Arena), com o candidato Dr. Arthur Marques Pfeifer, perdeu naquele ano, mesmo tendo feito um número superior de votos ao Dr. Luiz Alves Rolim Sobrinho do MDB, porque não lançou sub-legendas.

    O seu Darcy, também gostava das lidas campeiras e assim adquiriu uma confortável chácara em Itaara, no Rio Grande do Sul. Seu neto, mora lá hoje. É com muito prazer que escrevo esta coluna porque o seu Darcy, dedicado como sempre foi, possuía um portão no muro que comunicava com a minha casa. Tínhamos um contato interno, e quando meus filhos eram pequenos, ele trazia leite da chácara em tarros específicos para que tomassem um leite de origem conhecida. 

    Esta é uma breve história de uma grande existência que chega aos 102 anos de idade com saúde e cabeça erguida por ter sido um cidadão santa-mariense ativo na sociedade. Honesto, soube exercer sua cidadania e, hoje, tem o filho Sidney morando ao lado, oferecendo-lhe todo o cuidado necessário à avançada idade. Parabéns, então, a toda família Ethur!


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